segunda-feira, 25 de julho de 2011

Escape

Sempre me sentirei vazio pelo medo de encontrar a plenitude em alguém. Carrego há anos, desde o ocorrido, minha existência, vivendo de despedidas, de fugas. É assim que tento suportar os dias que sucedem, buscando fôlego em tudo o que cruza meu caminho. Por horas eu vago e, em minha cabeça, um novo império de felicidade é criado a cada passo que consigo executar. Tudo o que consigo levar para casa é um punhado de frustração.

Divagando pelas ruas, concluo que sou o mais infame dos seres. Cabisbaixo, olho para cada indivíduo ao meu redor e me desespero. Meu coração acelera, como nunca antes. Havia me esquecido o que era sentir o coração bater. Será que faz tanto tempo assim que não saio? Minha memória falha quando tento recordar a útima vez que saí do meu pequeno apartamento, úmido, frio, escuro e empoeirado, feito meu coração, que há pouco lembrei existir.

O desespero cedeu lugar à náusea, que fora o suficiente para desejar a morte. Aos prantos, chego em meu lar, com o anseio de fazer da cama meu túmulo. As horas se passam, e sinto um leve aroma de felicidade quando elas passam assim tão rapidamente. Olho para meu relógio, meu pior inimigo, e sinto a madrugada entrando com seu peso enorme em minha consciência. A insônia invade o quarto, como de costume.

São três horas. Levanto, e pela janela da sala vejo que chove torrencialmente. Deus resolveu fazer do céu reflexo do que ontem fora meus olhos, resmunguei. Surpreso, sinto-me comovido por ter ouvido alguma voz. Tudo passou a ser tão cinza e mudo depois da morte de Amália. Reviro as gavetas, e cigarros não há mais. Lembrei que não tinha vícios, antes de Amália partir. Suas recordações são o que me torturam. Desejo não lembrar nada, nem mesmo seu nome. Prometeu-me uma vida inteira que sequer nasceu. Por que cometeu tamanha ousadia?

Fecho as gavetas, e lembro que guardo um pouco de esperança no baú. Eis que o revolver está ali, ainda intacto, reluzente, a única coisa que pode ter valor aqui. Prometeu-me uma vida inteira que sequer nasceu, é o que ainda ecoa em minha consciência. Petrificado, encaro minhas mãos, segurando a única válvula de escape capaz de me auxiliar. Pensei, bom, e por que não brincar de roleta russa? Será que minha sorte será tão grande, mesmo a arma totalmente carregada? Criei coragem e esmaguei o cano contra minha têmpora e meu dedo contra o gatilho. Ainda consciente, lembrei do projétil enfeitando a têmpora de Amália. Teria sido sorte minha a morte da única pessoa que me amou?

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